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As sombras da realidade


fonte: Livro Inteligência, Everton Spolaor.


A palavra filosofia é uma composição das palavras gregas "philos" e "sophia". Os gregos antigos costumavam usar a palavra philos como sinônimo de "gostar de algo", "sentir atração por algo", "amar ou desejar fortemente algo".


Sophia, por sua vez, significa conhecimento, sabedoria. Podemos afirmar, então, que filosofia é a busca do conhecimento. No entanto, apenas ler e memorizar dados não constitui uma busca verdadeira, não constitui uma atitude filosófica. O filósofo preocupa-se em entender as coisas a partir de seu próprio raciocínio, através do questionamento.


Todo alpinista busca alcançar o cume da montanha. O que um alpinista faria se durante a escalada ele fosse informado de que a montanha que ele está escalando tem uma altitude infinita, e que por isso ele jamais conseguirá chegar ao topo? Diante de um cenário dessa natureza, muitos alpinistas desistiriam da escalada, visto que não valeria a pena buscar algo que é impossível de alcançar. Outros escalariam somente até certo ponto, apenas para se exibir, para se vangloriar da empreitada. Mas alguns poucos homens continuariam a escalar simplesmente porque apreciam a escalada em si, a aventura, o desafio. Para eles, alcançar o topo é um evento insignificante quando comparado com a aventura da escalada.


Filosofar é como empreitar uma aventura por uma montanha de altura infinita. Devemos manter humildemente a convicção de que jamais seremos donos de todo o saber. Por maior que seja nosso esforço, jamais conseguiremos saber tudo. Mesmo assim, a verdadeira satisfação de um filósofo está na jornada, no descobrir, no aprender. A curiosidade é a alma da inteligência.


Nos capítulos anteriores vimos que existem pessoas que diariamente esforçam-se para dar às outras a impressão de que são muito sábias. Memorizam quantidades enormes de informação que buscaram em revistas e livros, mas se alguém lhes disser que alguma dessas informações é falsa, elas irão se sentir ofendidas, agindo como se fossem as donas da verdade. Tal atitude é extremamente limitante, pois só possui atitude filosófica o homem que tem a mente aberta, que a todo o momento sabe que o que lhe é verdadeiro hoje pode não o ser amanhã. Não pode ser chamado de filósofo alguém que age com dogmatismo, acreditando ser o dono da verdade, porque o dogmatismo é justamente o oposto da filosofia. Precisamos pensar diferente, precisamos fugir do senso comum. No entanto, fugir do senso comum não é uma tarefa simples, porque a maioria das pessoas está a ele presa e não apenas não enxerga essa prisão como também condena qualquer pessoa que tente convencê-la de que é ela uma prisioneira.


O Mito da Caverna, escrito por Platão entre 380-370 a.C. no livro VII de A Republica, é uma das mais notáveis metáforas sobre essa prisão mental em que a sociedade está confinada.


Nossa sociedade vive, e sempre viveu, como se estivesse presa em uma grande caverna. Diariamente aceitamos como verdades as ideias que nos são impostas pela sociedade em que vivemos. Dizemos sim às tradições, aos costumes, às leis, aos paradigmas sociais, à ciência, à moda, ao senso comum. Somos basicamente uma sociedade que não desenvolveu a capacidade de dizer não. Costumamos aceitar o pensamento alheio, porque somos uma sociedade comodista e dominada pelo medo. Temos medo de questionar nossos pais, de questionar os mais velhos, de questionar o chefe, a autoridade, o pastor, o sacerdote, o padre, o político, o juiz. Temos medo de questionar as tradições, as regras, os costumes. Não só tememos questionar, como também tememos e odiamos quem questiona. Se, por exemplo, alguém questionar a ideologia de uma determinada religião, correrá o risco de ser odiado pelo simples fato de ter opinião própria, por pensar diferente, por tentar sair da caverna da ignorância. A sociedade costuma agir exatamente como os homens das cavernas agiam.


Gostaria muito que o leitor viesse a refletir sobre estas colocações e que criasse ele uma compreensão de que a mente das pessoas tem sido condicionada através da educação, dos costumes, da propaganda e de toda a tagarelice que assola nossas orelhas. Somos estimulados a imitar uns aos outros.


Veja, existem duas formas possíveis de uma pessoa ser capaz de tocar piano. A primeira opção é através da imitação. Ela pode observar repetidamente os movimentos dos dedos de um pianista e memorizá-los, para depois imitar esses movimentos. A segunda opção é o entendimento. Através do estudo, da prática e de esforço de intelecto, ela pode explorar a formação das notas musicais e, com o tempo, adquirir domínio sobre o instrumento. Em ambos os casos será possível tocar músicas. No entanto, o primeiro método irá trazer resultados medíocres, permitindo ao aprendiz tocar tão somente aquilo que já é conhecido, e com qualidade inferior à original. Além disso, a imitação não estimula a mente, não colabora para o desenvolvimento intelectual. Já o aprendiz que utilizar o segundo método, do estudo e de esforço de intelecto, poderá não apenas reproduzir as melodias conhecidas com igual ou superior qualidade, mas também criar seu próprio estilo e suas próprias composições. E, ao esforçar-se para compreender a formação das melodias, estará ele estimulando sua mente, potencializando seu intelecto.


Similar ao aprendizado musical, assim é o desenvolvimento da verdadeira inteligência. Existem duas formas possíveis de uma pessoa desenvolver seu modo de pensar: Através da imitação ou através do entendimento. Um homem pode passar a vida inteira imitando outros homens, seguindo as tradições, respeitando fielmente as práticas e comportamentos milenares da sociedade. Quem assim viver evitará uma série de desconfortos, mas será ele mais uma marionete que um homem.


Se quisermos desenvolver o nosso poder de pensar e se queremos ser verdadeiramente homens, e não apenas bonecos manipuláveis, precisamos parar de imitar, de seguir os outros. Cada homem deve ser ao mesmo tempo seu próprio mestre e seu próprio aprendiz.


Existe uma parábola em que um professor universitário foi discutir com um mestre sobre vários assuntos. Enquanto o professor falava, o mestre foi enchendo a xícara de chá dele até transbordar. O professor então parou de falar e, assustado, disse:


- Mestre, a xícara está transbordando!

O mestre então respondeu:

- Assim também você está cheio! Como se pode colocar algo novo num recipiente cheio?

Tal qual uma xícara que transborda, nossa mente está cheia de conceitos, de tradições, de definições, de costumes, de condicionamentos. Para conhecermos a verdade precisamos esvaziar nossa mente de tudo o que aprendemos ao longo de nossas vidas. Precisamos questionar nossas ideias, nossos valores e nossas crenças. É muito fácil acreditar em algo, em anjos, em gnomos, em santos, em ovnis e assim por diante, pela simples e ingênua aceitação. Mas a Natureza não nos deu um cérebro extremamente evoluído para o usarmos como uma copiadora de ideias alheias, para simplesmente acreditarmos em qualquer coisa somente porque alguém nos disse para acreditar, porque nossos pais nos ensinaram a agir assim, ou porque a ideia nos agrada. Para isso um cérebro diminuto já seria suficiente. Se temos um cérebro evoluído, é porque nossa natureza é raciocinar, pensar, questionar.


Diversos especialistas e estudiosos afirmam que para uma criança desenvolver sua inteligência é fundamental que ela seja estimulada a vivenciar as mais variadas experiências de interação social, a conviver e brincar com outras crianças. Esta estimulação ativa os circuitos cerebrais, pois os sons, imagens e tudo que a criança percebe através dos sentidos é registrado pelo cérebro, que transforma esses estímulos em sinais elétricos e interliga uma quantidade cada vez maior de neurônios. Essa ligação entre os neurônios é chamada sinapse. Quanto mais sinapses, mais inteligência, pode-se dizer.


Um ambiente carente de estímulos, sem muita conversação, sem desafios e com baixa interação com outras crianças diminui a capacidade do cérebro estabelecer mais sinapses, diminuindo o potencial intelectual. Há casos, inclusive, em que a criança acaba sofrendo de deficiência mental por privação cultural.


No cérebro adulto a situação não é diferente. A inteligência se desenvolve a partir de estímulos de raciocínio. Se ao invés de raciocinarmos sobre as verdades da vida preferirmos adotar conceitos prontos e ideias alheias, estaremos destituindo nossa mente de estímulos de raciocínio e, assim, estaremos colocando limites em nosso poder criativo, em nosso poder de pensar. Nossas decisões e atitudes devem estar fundamentadas em nossas próprias considerações, em nossa própria análise. Se vamos seguir alguém, sigamos a nós mesmos, porque assim nos obrigaremos a andar, a evoluir.






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Produzido com Maestria por Carlos Augusto Sanchez Mata em 2023.

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